Um Punhado de Terra

99ª Criação I Estreia: 22 de Setembro de 2011 - Sala Estúdio Latino, Teatro Sá da Bandeira, Porto

“Além do equador tudo é permitido” - (provérbio português da época dos descobrimentos)


Pântano. Em todo o palco, vinte centímetros de terra barrenta. Vem, do horizonte à boca de cena, um homem negro. Os pés mergulham na lama. O homem coxeia da perna direita. O homem vem, devagar. Chega à boca de cena. E diz: Toma o meu corpo senhor do fogo! Vem e devasta esta terra estrangeira!

Este homem negro é um escravo trazido à força de África para uma terra de que nunca ouvira falar – Portugal.

Ele nos dirá, num português ainda mal apreendido, mas de imagens poderosas e numa linguagem poética singular, à moda de um contador de histórias de tradição oral africanas, como um dia chegaram à sua aldeia os homens brancos “feios, com cabeças de metal e pele de ferro, por sobre a pele cor de leite velho estragado”.

De como lhe mataram a mulher, os filhos e os amigos, de como destruíram a sua aldeia e aniquilaram o seu povo.

De como foram levados, sobre as ordens de uma tal “o infante”, num grande barco maior que “montanhas de madeira” para estas terras de desterro.

É tal a sua solidão e a sua tristeza que o homem negro, despojado do seu punhado de terra evocará e pedirá aos seus deuses a morte e a maldição dos estrangeiros e seus descendentes, responsáveis pela sua desdita e a destruição do seu povo.

E, é ainda com a terra estrangeira que o homem negro se despede da vida e da sua terra.


“O homem negro apanha terra do chão e come. / Volta a apanhar terra. Come. / O homem negro come terra. / Come, come...” •


Alguns caminhos da encenação: A procura de um espaço não convencional para a apresentação do espectáculo; Um palco quase vazio, em que as luzes e as sombras se conjugam como elemento cénico decisivo. Talvez terra, talvez barro, ou, a tradução teatral desses elementos. Um trabalho centrado na voz, no corpo e no movimento do actor. - José Leitão (encenador)


Sobre “Um Punhado de Terra”: É muito tarde, tarde de mais, mas ainda podemos ouvir estes pés negros que chegam da escuridão, tacteiam a terra, a medo, esta voz que chama pelo seu deus e tem uma história a contar e um pedido a fazer, ainda vamos a tempo de - pelo menos - contar outra vez a história que nunca foi contada, que foi sempre transformada em marcha militar, datas, mapa, quando muito desculpas tingidas de má-fé, contar, ouvir.

Essa voz, ouço-a há muito tempo. Um dia, escrevi o que ela dizia. Por palavras minhas. Era um punhado de terra amarga, que eu devia comer. É tarde, tarde de mais, mas ainda podemos ouvir, ainda é cedo. - Pedro Eiras (autor)

Texto: Pedro Eiras
Encenação:
José Leitão
Interpretação:
Flávio Hamilton
Espaço Cénico:
José Leitão e José Lopes
Desenho de Luz:
Leunam Ordep

Produção: Teatro Art'Imagem
Direcção Artística:
José Leitão
Direcção Técnica:
Pedro Carvalho
Direcção de Produção:
Jorge Mendo


M/12 I 55m

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