Sussurros de Sombra

123ª Criação I Estreia: 2 de Maio de 2025 - Auditório da Quinta da Caverneira (Águas Santas - Maia)

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«Palavroso quanto baste para ferir sem sangrar»


Este é um espectáculo onde impera um eterno combate, não um combate qualquer, um combate poético, interno, pelas palavras de Craveirinha que ressoam nos corpos em abraços, “não se pode subestimar o poder da fraternidade”. Todo este palco é confidência, muito própria, o homem, o poeta e o actor, nostálgicos, revivendo a definitiva matéria desta África. As palavras são doces flores que se entregam a cada instante num espaço escuro que numa lumiosa viagem semeiam a eloquente procura de uma Evocação aos Deuses… lágrimas? Um sussurro permanente de uma dor, uma saudade, uma luta que não cessa, que se impõe a nós numa constante vibração das vozes e corpos de três actores que se entregam sem resignação transpondo as fronteiras da garganta, das espectativas, de si próprios. Neste processo fomos pássaros incorruptos, criámos o nosso próprio ritual e cada manhã nova é ainda uma descoberta constante nesta nossa “Karinagana ua Karingana”, este “Era Uma Vez” que desejamos que cada um a sinta à sua própria maneira de viver. O teatro dentro do teatro, o teatro que é vida, mas que não deixa nunca de ser o jogo, um espectáculo que não pretende ser mais do que aquilo que é. Craveirinha queria ser Tambor… e nós também.


Daniela Pêgo, Encenadora



"Colar de missangas no pescoço, o tempo todo"

Os clássicos são para se comer e regurgitar depois. A obra do José Craveirinha, estanto inserida nessa categoria, precisa ser mastigada com responsabilidade e à margem de qualquer pudor, que a mais não serve senão para relegar tudo o que se diz canónico à condição de intocável. 

É imperativo dessacralizar o sagrado e libertá-lo do entorpecimento do pó, tomar de assalto a colónia de ácaros que por tendência se apodera dos seus escaparates. 

O sagrado, se for divino, é, por consequência, humano. Se for humano, então a todos pertence por igual, independentemente da geografia procedente. Craveirinha é, portanto, para se comer e não para se imortalizar na rigidez da pedra monumental, sujeito à erosão elementar. Um poeta não tem epitáfio. O epitáfio é o próprio poema, a carne mítica da obra.

O texto Sussurros de Sombra não se insere na lógica de um teatro documental, nem sequer biográfico, na aceção mais imediata da forma. É uma peregrinação livre e enxuta pelo verbo do poeta que, a partir do seu contexto, esculpiu a metáfora-mundo. 

Dramaturgicamente, a procura foi no sentido de habitar esse claro-escuro da obra, de modo a que se projetasse em palco a sombra idílica do poeta, a sua emanação vocal, aquilo que ressoa através do corpo dos intérpretes. 

Maria, sua graça de vida, foi o fio que entreteceu o colar de missangas, que conta os ecos da prisão e a luta incessante pela autodeterminação do seu povo. 

Moçambique, a luta continua!

Fávio Hamilton, Dramaturgista



Karingana Ua Karingana (Era Uma Vez) Um canto a África,  Nossa Terra Mãe

O Teatro Art´Imagem em 1998 levou a cena, pela primeira vez, uma peça dedicada a África e sua história, denominada " Água Negra - Ministros da Noite", com textos recolhidos por Ana Barradas da historiografia portuguesa a partir do século XV, problematizando a colonização e as suas nefastas consequências entre os povos locais e o desenvolvimento do continente e, desde então continuamos, talvez porque connosco trabalham regularmente alguns artistas africanos e companhias, que permitiu conhecimentos, intercâmbios, co-produções, a apresentação das nossas peças e acolhimentos, principalmente com Cabo Verde, mas também com Moçambique, Angola e mais recentemente com a Guiné-Bissau. 

Assim em 2000 recordo "Minha Conto" do moçambicano Mia Couto, encenada pelo seu compatriota Alberto Magassela. Em 2002 o "Autocarro do Amor em Cabo Verde", um espectáculo circulante falado em crioulo e português , no Mindlact.  Em 2008 "Ptlolomeu e a Sua Viagem de Circunavegação", do caborverdiano Tchalé Figueira.  Em 2011 a "Acácia Vermelha" do português Manuel Pope e de "Um Punhado de Terra", do português Pedro Eiras. Voltamos a Mia Couto em 2015 com "BemMarMeQuer - O Coração é uma Praia".

Em 2017, 2019 e 2022 afloramos a Guerra Colonial nas peças da minha Trilogia "A Identificção de um (o meu) País".

O ano passado (2024) numa co-produção com o Sikinada de Cabo Verde fizemos "Cabral - A Última Lua de Homem Grande", do cabo-verdiano Mário Lúcio Sousa, tendo-se realizado espectáculos em Cabo Verde, na Guiné-Bissau e Portugal.

Agora em 2025 chegou a vez de estrearmos "Sussurros de Sombra" do poeta moçambicano José Craveirinha, obrigado à Daniela Pêgo pela sua escolha e a todos os que fizeram este espectáculo, esperando que os espectadores  usufruam em plenitude da sua poesia, do verbo e da verve, vida e luta pela liberdade e independência da sua terra, Moçambique.

José Leitão, Director Artístico do Teatro Art'Imagem


José Craveirinha

Nasceu a 28 de Maio de 1922, na então Lourenço Marques, atual Maputo, e faleceu a 06 de Fevereiro de 2003 na África do Sul. Filho de duas raízes conflituantes à época. Algarvio por parte do pai e moçambicano por parte da mãe. Não renunciando à cor com que nasceu, afirmação do próprio, reivindicou sempre a sua africanidade, não só através da sua obra, como pela vivência marcadamente moçambicana, pátria que fez questão de sublimar acima de tudo. Autodidata confesso, foi, além de poeta, jornalista e ensaísta. Nos jornais, fez campanha contra o racismo e tratou de assuntos referentes às camadas mais desfavorecidas, tendo sido o primeiro jornalista oficialmente sindicalizado de Moçambique. Esteve preso entre 1964 e 1968 devido a sua ligação com a FRELIMO. Em 1991 foi-lhe atribuído o Prémio Camões, tornando-se o primeiro poeta africano de língua portuguesa a ser distinguido com o galardão. Foi vice-presidente do Fundo Bibliográfico da Língua Portuguesa e Doutor Honoris Causa pela Universidade Eduardo Mondlane. É um dos heróis nacionais de Moçambique e os seus restos mortais encontram-se depositados na cripta correspondente à referida categoria.


A partir da obra de José Craveirinha

Dramaturgia Flávio Hamilton

Encenação Daniela Pêgo

Interpretação Flávio Hamilton, Jacinta Freitas e Pedro Carvalho

Música Original e Sonoplastia Carlos Adolfo

Desenho de Luz, Vídeo e Cartaz André Rabaça

Figurinos Cláudia Ribeiro

Espaço Cénico Daniela Pêgo e Cláudia Ribeiro

Apoio à Cenografia e Adereços José Lopes

Aderecista e Bordados Ana Brandão

Mestre Costureira Cristina Ferreira

Execução de Cortinas Alexandra Barbosa

Produção Mariana Macedo

Fotografia de Cena Nuno Ribeiro

Registo Vídeo Luís Lima Productions

Direcção Artística do Teatro Art´Imagem José Leitão Agradecimentos Fundação José Craveirinha, Zeca Craveirinha, Amável Pinto, Zé Pedro e Arlindo Camarro 


M/14  I  60 minutos


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